O cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação (norma federal instituída em 2012e mais conhecida como o Novo Código Florestal) evitaria, entre 2020 e 2050, a perda de 32 milhões de hectares (Mha) de vegetação nativa no país. É o que aponta o “Sumário para Tomadores de Decisão” (STD) do “Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos”, elaborado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).
Este documento, elaborado ao longo dos últimos três anos e que mobilizou 100 profissionais de inúmeras áreas, faz um diagnóstico minucioso que compila informações científicas e casos exitosos acerca das interações entre os usos do solo e a biodiversidade no Brasil, sob a ótica do bem-estar humano e levando em conta os saberes tradicionais.
O país, considerado por muitos o ‘celeiro do mundo’, é hoje um dos maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários. Mas essa produção, em grande parte, é caracterizada por monoculturas em larga escala, com sistemas de irrigação intensivos e uso excessivo de insumos, fertilizantes e agrotóxicos.
“O modus operandi do setor tem se mostrado insustentável, aumentando a pressão sobre o capital natural e originando grandes impactos ambientais. Isso compromete a saúde humana e afeta inclusive os serviços ecossistêmicos dos quais a atividade depende”, pontuou Gerhard Ernst Overbeck, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do relatório.
Dados do MapBiomas revelam que, em 38 anos (1985 a 2022), a área utilizada para a agricultura no Brasil cresceu 95,1 Mha. Segundo Overbeck, na maioria dos casos, isso se deu às custas da destruição da vegetação nativa, o equivalente a 10,6% do território nacional.
Em 2022, a agropecuária já ocupava 33% da área do país (282,5 milhões de hectares) e suas emissões respondiam por cerca de 27% do total de 2,3 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (GEE) lançados pelo Brasil na atmosfera.
De acordo com o relatório, pode ser que esse avanço não pare por aí. Se o modelo de agronegócio vigente no país for mantido, projeções de cenários futuros indicam aumento da área destinada ao setor. A tendência é a ampliação de cultivos de soja, milho e cana-de-açúcar no Cerrado e na Mata Atlântica e de áreas de pastagens na Amazônia e no Pantanal.
“Essa expansão agrícola intensificará a pressão sobre unidades de conservação e terras indígenas, com impactos negativos para o meio ambiente e as comunidades locais”, diz o texto.
Para além do viés ambiental, os autores advertem sobre as consequências socioeconômicas da dinâmica de ocupação das terras no Brasil, que tem ocasionado disputas por território, concentração fundiária e exclusão social.
AGROPECUÁRIA SUSTENTÁVEL
Uma das principais mensagens do estudo é a de que, havendo vontade política, existem opções viáveis e eficazes para uma agropecuária mais sustentável no Brasil. Assim, é possível conciliar uma melhor produtividade nas pastagens e cultivos e a mitigação das mudanças climáticas.
Além da indicação do cumprimento do Novo Código Florestal, o documento destaca que “o aumento na produtividade das pastagens brasileiras permite atender a demanda futura por carne, culturas agrícolas, produtos madeireiros e biocombustíveis, sem a necessidade de converter mais hectare algum de vegetação nativa e ainda liberando terra para restauração em larga escala, por exemplo, na Mata Atlântica”.
Cita ainda outras alternativas: estímulo à restauração de áreas de reserva legal (RL) e de preservação permanente (APP) e incentivos econômicos e mecanismos financeiros para atividades agrícolas sustentáveis – como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), linhas de crédito verdes, créditos de biodiversidade, REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e mercado de Cotas de Reserva Ambiental; programas de extensão rural com foco na agroecologia; valorização e a disseminação de práticas e tecnologias sociais de PCTs; sistemas de rastreabilidade de cadeias produtivas; Sistema Plantio Direto; florestas plantadas; turismo rural e Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.
Mais uma recomendação é a agricultura familiar, conhecida pelo manejo conservacionista dos recursos ambientais, pelo menor uso de insumos e pela diversidade de cultivos. O fomento a essa modalidade concilia a produção agrícola com baixas emissões de carbono e com a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.
“O relatório traz soluções já adotadas em algumas regiões do Brasil capazes de tornar a agricultura nacional mais diversificada, competitiva e resiliente. Essas práticas agregam maior renda aos produtores que conservam o capital natural”, informou Rachel Bardy Prado, pesquisadora da Embrapa Solos e também coordenadora da publicação.
Mas, para atingir a transformação desejada nos sistemas de produção agrícola, Overbeck acrescentou que esses mecanismos precisam ser incentivados e disseminados para ganhar escala, ampliar sua abrangência nos biomas e, sobretudo, alcançar os agricultores mais vulneráveis.
Os autores enfatizaram que a transição para um modelo produtivo sustentável no Brasil requer esforços de diferentes setores da sociedade e o engajamento de múltiplas áreas do governo, como planejamento, agricultura, meio ambiente e desenvolvimento regional.
“A verdadeira sustentabilidade da agricultura passa pela melhoria da qualidade de vida no campo e nas cidades, pela agregação de renda aos marginalizados, pelo aumento da soberania alimentar e pela manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. É preciso que os governos e o setor privado ajam com seriedade e de forma integrada, assegurando a efetiva implementação das normas ambientais”, observou Prado.
Overbeck complementou: “No longo prazo, só teremos desenvolvimento econômico no país, e principalmente no setor da agropecuária, se conseguirmos fortalecer a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Esses campos são aliados e não opositores”.
Fotos: Reprodução/Fonte: G1/Planeta
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