Por RAFAEL MOYSÉS ALVES
Um cupuaçuzeiro apareceu na cidade de Cametá – Pará, na década de 60, com uma estranha característica que despertou a curiosidade dos moradores locais. Um lado da planta apresentou frutos com sementes (normal) e, os ramos do outro lado produzia frutos que não continham sementes.
Assim que a notícia chegou na capital, Belém, o Instituto Agronômico do Norte – IAN, que antecedeu a Embrapa Amazônia Oriental, enviou alguns pesquisadores para o local, a fim de verificar a situação.
Ficou constatado que ocorrera uma mutação em células de um dos lados da árvore, dando origem aquela anomalia, fazendo com que tanto pólen como o óvulo das flores ficassem estéreis, portanto, sem capacidade de produzir sementes. Apesar disto, observou-se que o ovário da flor podia evoluir para formar o fruto e, posteriormente, ficou constatado que se tratava de um material triploide, com três, ao invés de dois, conjuntos de cromossomos.
Foram coletadas ponteiras e hastes porta-borbulhas desses ramos, para serem enxertados em mudas produzidas com sementes oriundas de plantas normais.
Assim formou-se a variedade cupuaçu sem caroço (ou sem sementes), um clone, com todas as características do ramo alterado da matriz de Cametá.
Esse clone foi colocado em áreas experimentais onde, posteriormente, pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, observaram que as plantas produziam frutos de boa conformação, pesando em média 1,8 kg, com mais de 60 % de rendimento de polpa (onde o normal fica em torno de 37%), e praticamente, metade da acidez apresentada pelo cupuaçu com sementes.
Esta baixa acidez tem facilitado a aceitação do suco por pessoas de fora da Amazônia, não habituadas ao forte sabor e aroma das frutas amazônicas.
Porém, entre os amazônidas essa característica não foi bem aceita. Também foi observado que a variedade era muito suscetível à vassoura-de-bruxa, doença que reduz drasticamente a produtividade. Além disso, na atualidade as sementes tornaram-se um segundo produto economicamente importante dessa espécie, usado na indústria de cosméticos, e, com grandes possibilidades de se estabelecer na indústria alimentícia por uso da manteiga e na produção de cupulate, produto similar ao chocolate.
Os pontos negativos, à época, levaram a variedade a ser considerada apenas como uma curiosidade, algo para mostrar como inusitado, mas sem merecer o estabelecimento de pomares comerciais.
Mas será que não haverá futuro para o cupuaçu sem caroço?
O nicho de mercado de consumidores mais exigentes em polpas de frutas com sabores mais suaves, não pode ser desprezado e merece ser considerado.
O advento de variedades resistentes de cupuaçuzeiro com sementes abre a possibilidade de que a “sem caroço” possa ser cultivada em conjunto. Assim, o risco de epidemia de vassoura-de-bruxa ficaria reduzido e as plantas “sem caroço” expressariam toda a sua capacidade produtiva.
Os blends, misturas dos dois tipos de polpa, poderiam ser utilizados para reduzir a acidez da polpa convencional, melhorando sua aceitação para todos os públicos.
Com esse potencial a ser explorado, a variedade “sem caroço” não merece o ostracismo na qual se encontra. Pesquisas precisarão ser realizadas no sentido de viabilizar o cultivo da variedade, ao mesmo tempo em que se verificará a aceitação dos blends e polpas pelo mercado consumidor.
Foto: Flávio Ikeda
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